Autor da história: Raphael Matos

Quem conta a história: Anónimo

Organização: ULHT

Título: Chuva do Tesouro

Nível: Avançado

Língua: Português

Resumo: A partir de uma maleta, conhecemos a história de vida de uma mulher brasileira durante um período da história daquele país em que se deram grandes mudanças sociais. Relembra, com o seu companheiro de quatro patas, os antepassados, a infância feliz, o sucesso profissional, a família que construiu, a vida cheia que viveu.

Palavras-chave: memória, família, mudanças sociais

Chuva do Tesouro

A Chuva do Tesouro – Pronto, aqui está! Vamos arejar o passado, Tothy – Abri a maleta antiga e coloquei-a junto à janela. – Agora vamos ver o nascer do sol. O mar, como eu amo o mar. Estou aqui, nesta manhã, no lugar que mais me aquece a alma, de frente para a baía de Ubatuba, junto do meu fiel parceiro, o meu cachorro Tothy! Um elegante e maravilhoso Cocker Spaniel Inglês que tive a felicidade de adotar há uns anos atrás. Não há sequer uma hora que o sol surgiu e estamos apenas eu e ele, a saborear a brisa do mar e a música das ondas. Realmente a beleza na simplicidade deixa-nos ver maravilhas.

 

É bom lembrar as pessoas que fizeram parte das nossas vidas, mesmo quando já não estão por aqui. Seja porque a sua jornada terminou ou apenas por terem seguido caminhos diferentes; ou mesmo quem sabe, as duas opções. Eu nasci no longínquo ano de 1942, numa pequena cidade chamada Marília, aqui no Brasil. Algumas, várias décadas se passaram desde então, e inúmeras pessoas fizeram parte da minha vida, da minha jornada por esse mundo imenso. E quando digo “pessoas”, refiro-me também aos cachorros, é claro; esses seres maravilhosos que nos fazem ver mais brilho na vida. Familiares, amigos, conhecidos e mesmo aquelas pessoas que na rua nos chamam a atenção dos olhos por algum motivo curioso e passam sem nunca mais nos encontrarmos. 

 

É como dizia aquele famoso cineasta britânico do início do século, a preto e branco, cada pessoa que passa na nossa vida, passa sozinha, e não nos deixa só, porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós. 

 

A propósito, eu chamo-me Renata e como toda a boa brasileira, sou a fusão de pessoas de vários pontos diferentes deste mundo. Os meus avós maternos eram árabes (egípcios e libaneses) e os paternos italianos, todos nascidos na segunda metade do século XIX e imigrantes no Brasil. Cresci na cidade de São Paulo, rodeada por uma família muito querida e não posso reclamar da minha infância, que foi excecionalmente divertida e especial ao lado da minha irmãzinha linda. Muitas brincadeiras de rua com os amigos; fazíamos de tudo: escondidas, amarelinha, futebol de botão, vólei, teatro e por aí vai (inclusive eu queria ser atriz, mas claro que o meu pai nunca me deixaria, era uma profissão condenada naqueles idos tempos. Inclusive lembro-me de uma vez, eu devia ter uns cinco ou seis anos de idade, estava na casa de uma amiga, uma casa dos anos 20 com arquitetura neocolonial. Deliciávamo-nos com um delicioso bolo, quando ela discretamente me tocou no pé, seguido daquele olhar traquina. – Vamos Renatinha! Podemos subir ao telhado, basta irmos ao escritório do meu pai no segundo andar e pulamos pela janela! Mas temos de ir rápido! – Sussurrou e quando se referia ao telhado, não era de facto a cobertura superior da casa e sim o conjunto de telhas que cobriam a varanda da entrada principal. Crianças, sabe como são. E sim, subíamos ao telhado sempre na primeira oportunidade que surgia e lá conversávamos, brincávamos com as bonecas, observávamos as pessoas a passarem na rua e sonhávamos olhando os pássaros e as nuvens no céu. 

 

Praticamente setenta anos se passaram desde então e estou aqui a fazer a mesma coisa, simplesmente a sonhar, a admirar o mar, as nuvens e o céu. Sinto que o meu coração ainda é aquele mesmo coraçãozinho sonhador da Renatinha do final dos anos 40. – A vida é curiosa, não é mesmo Tothy? – Disse eu ao Tothy enquanto ele me olhava com os seus doces olhinhos de jabuticaba[1]. Enquanto isso, uma escuna passeava no horizonte à nossa frente, com crianças a brincarem. 

 

Já um pouco mais crescida, com os meus onze anos, ainda era uma criança. Lembro-me como se fosse ontem, vesti uma fantasia de marinheiro e fui escondida até à esquina em frente de casa. Isso nos óculos da infância é uma distância absurda, afinal era necessário atravessar a rua! – Olá senhor, boa tarde! O senhor poderia dar algumas moedas aos mais necessitados? – Com o meu chapeuzinho estendido, perguntava isso a cada homem ou mulher que passava pela rua. O meu objetivo era, no fim da tarde, entregar as moedas conseguidas a pessoas com menos oportunidades do que eu, não achava justo a minha família ter tanto e algumas não terem nada. Essa ideia incomodava-me bastante. – Menino, estou atrasado, com licença – E isso era o que eu mais ouvia, com raras exceções quando uma senhora ou outra, com cara de pena, passava e dava-me uma moedinha tirada da bolsinha. E como eu estava vestida de marinheiro, todos achavam que eu era um menino, as meninas não deveriam vestir-se como meninos, era o que os adultos da época diziam. Ainda bem que os tempos mudam. 

 

Nesse mesmo dia, o meu paizinho voltou mais cedo do trabalho e viu-me na esquina a pedir dinheiro. Ele ficou furioso! – Mas que absurdo Renata! – Puxou-me pela orelha e arrastou-me de volta para casa – O que tens na cabeça!? A pedir dinheiro? O que achas que vão dizer com isso, heim!? Que és uma menina sem família!? E ainda por cima vestida como um menino!? Onde foi que errei, meu Deus!? – O meu pai não era uma pessoa ruim, era apenas um homem do seu tempo, com os preconceitos e mentalidades da sua época. Fiquei dias de castigo, não pude mais sair sozinha, mas isso não me deixou menos preocupada com a sociedade. Na adolescência, descobri a antropologia e a sociologia, apaixonei-me. Queria ajudar as pessoas, compreendê-las, viajar pelo país, conhecer seres humanos diferentes. 

 

Naquela época eu já sabia que sempre que pudermos calar-nos e ouvir o outro, teremos muitas respostas para a infantilidade das nossas ambições e aspirações, de sermos melhores do que o próximo. – Bom dia dona Renata! – Disse um rapaz, que passou de bicicleta pela ciclovia na minha frente. – Bom dia! – Respondi surpreendida, mas com um sorriso no rosto. Já o Tothy, ciumento, não gostou nada disso! Latiu, latiu e latiu. – Para Tothy! É só um moço, já passou, não precisa disso – A minha família preocupa-se com essa ciumeira toda dele, acham que eu deveria ser mais firme e não o deixar achar que é meu dono. Mas ele sabe que não é meu dono, bolas! E, no fundo, gosto desse jeito dele, sinto-me protegida. Algum tempo depois, vejo duas surfistas a caminharem pela praia, são adolescentes. Ah, lembro-me tão bem quando tinha essa idade… Estávamos nos anos 50 e não seria fácil seguir os meus sonhos aventureiros. Aos quinze anos, num baile, conheci aquele rapaz que, mais tarde, viria a ser o meu marido. Aos dezoito anos, casámos e fomos morar na casa da avó dele, uma espanhola que mal falava português. Eu não queria ser o que a sociedade dizia que eu deveria ser, muitos obstáculos eram impostos para dificultar o caminho de uma mulher naquela época, mas eu queria seguir a minha própria vida. Conduzir era um sonho que eu precisava realizar, mas os meus pais eram contra. Portanto, eu tive de resolver por conta própria, juntei o dinheiro certo para as aulas de condução e fiz sem contar a ninguém, quando souberam, eu já tinha a minha carta e aos vinte anos comprei o meu primeiro carro, uma linda romiseta. Também nessa mesma idade, eu e o meu marido comprámos a nossa primeira casa. – Como deve ser jovem nesta época, Thoty? – Perguntei ao meu também não tão jovem Cocker. Ele ignorou-me, estava a farejar algo mais interessante no ar, com o focinho apontado para cima. – Certamente mais libertador, com mais possibilidades – Respondi a mim própria em voz alta. – Ao mesmo tempo deve ser assustador, com as mudanças cada vez mais rápidas que vêm acontecendo no mundo e com líderes que não se importam com o meio ambiente nem com o futuro do planeta. – Então, apenas para mim mesma, nos meus pensamentos: uma época diferente, com novos desafios e assim é a vida; tenho confiança que os meus netos farão a parte deles para tornar este mundo um lugar melhor para os próximos, como eu sempre me esforcei por fazer ao longo da vida. 

No fim dos anos 60, aos vinte e sete anos, eu e o meu marido, tivemos as nossas filhas, gêmeas monozigóticas. Nasceram prematuras e minúsculas, com menos de um quilo cada uma e cabiam dentro de uma caixa de sapatos. Foi um grande desafio para nós e dedicámos-nos de corpo e alma para que tivessem um desenvolvimento saudável. E assim foi feito, as duas cresceram bem e sem nenhuma sequela, tornaram-se duas lindas meninas que amo de paixão! Da cabeça até ao dedinho do pé. Estudei um ramo da enfermagem, queria trabalhar como instrumentista cirúrgica, o que de facto fiz durante um período, mas não é fácil remar contra a maré numa sociedade patriarcal e machista. Estudar era algo que nunca deixaria de fazer ao longo de toda a minha vida. Ler, aprender e ter curiosidade é algo que nunca devemos parar de fazer até ao nosso último segundo nesta vida, enquanto estamos aqui devemos sempre aprimorarmos-nos e adaptarmo-nos aos novos tempos. 

 

Eu e o Tothy levantámos-nos e fomos caminhar um pouco no calçadão. Ele ainda farejava algo e rapidamente me dei conta. Chuva! O céu que antes estava laranja com o nascer da manhã, logo se acinzentou e as nuvens iam ficando mais grossas. Em breve, teríamos de voltar para casa, mas eu quis dar-me a liberdade de caminhar mais um pouquinho de frente para o mar. 

 

Lembro-me que no final dos anos 70, divorciei-me e essa seria mais uma atitude que me faria ser julgada pela sociedade. Infelizmente, o meu marido queria controlar a minha vida, impedir-me de trabalhar, de conduzir e mesmo de ter amigos (amizades essas que, na sua maioria, eram com homens, por questão de maior afinidade e o meu melhor amigo era homossexual, outro motivo que atraía olhares arrogantes da sociedade para mim). Mas não abriria mão da minha vida para me encaixar nos moldes impostos por um marido, por mais que eu o amasse e vice-versa. 

 

Durante os anos seguintes, trabalhei em inúmeros lugares e exerci várias funções. Uma delas foi após a triste partida do meu pai (que, apesar dos conflitos que tínhamos, ainda era um dos homens mais doces e carinhosos que eu havia conhecido e foi muito dolorosa essa despedida), eu assumi um cargo num renomado banco do país e, assim, tornei-me a primeira mulher a ser contratada para aquele cargo específico e tenho muito orgulho disso. 

 

Conheci muitas pessoas diferentes, como sempre sonhei, voltei para a faculdade, desta vez estudando psicologia e tive a oportunidade de seguir a minha paixão antropológica, viajei e tive contacto com várias tribos indígenas maravilhosas. Todas essas experiências foram preciosas e temos sempre de lembrar de olhar com respeito para cada indivíduo, sem julgamentos e com muito amor, cada um tem a sua história, as suas batalhas e a sua visão de mundo, única e valiosa. – CABRUM! – O primeiro trovão e o Tothy já não quer saber de praia. Sendo assim, seguimos caminho de volta para a nossa casinha linda, que não era tão distante dali. 

 

Os anos 90 foram regados de emoções, no início da década, o meu ex-marido, infelizmente, faleceu aos cinquenta anos e foi um tremendo choque. Apesar de tudo, eu sempre tive um profundo carinho por ele, não me arrependo do divórcio, mas ele é o pai das minhas filhas e fez parte da minha vida. Doeu-me o coração vê-las perderem o pai tão jovens e ver que ele também deixava um filho ainda criança, do seu segundo casamento. Mas são desafios da vida e fazem parte, temos de aprender a lidar com eles.

Porém, a década também teve as suas coisas boas, o fim de um vício: Eu liguei o chuveiro e acendi o cigarro, como de costume. Sim, eu tinha o hábito de fumar até no banho, péssimo hábito e foi ali que me dei conta disso repentinamente. Fiquei enjoada e prestes a sentir-me mal com aquele cigarro na mão, e a partir dali nunca mais quis fumar, já não conseguia associar o ato a algo prazeroso. E, aos quarenta e nove anos, finalmente, abandonei essa coisa terrível que foi um dos males do século. 

 

Em 1994, nasceu o meu primeiro neto! e primeiro bisneto da minha mãezinha querida, que ainda estava neste mundo. Era um sonho para mim, presenciar o surgimento de uma nova vida é algo precioso demais, o início da jornada de um novo ser. Ver o meu neto nascer derreteu o meu coração. 

 

A chuva já estava a apertar quando eu e o Tothy chegámos a casa. A minha casa é simples, porém muito gostosa, é térrea, com muito jardim e quintal, muitas árvores e plantas. Ao estilo antigo como eu gosto, pois faz parte da minha vida, do meu passado e da minha trajetória. Não sou saudosista, mas o espaço é bom e essa simplicidade nostálgica é uma coisa linda para se apreciar. Corremos para nos secarmos e lembrei-me da minha querida irmã, quando brincávamos na chuva. 

 

Que loucura foi a virada do milénio, estar viva para presenciar esse momento foi mágico. Eu passei com a minha irmãzinha no Rio de Janeiro, e foi um momento muito especial. Ela infelizmente estava com cancro e estarmos juntas naquele ano novo, foi muito importante para nós que sempre fomos muito unidas. Ela faleceu em 2001 e passar por essa experiência foi devastador para mim. Perder a minha irmã amada partiu o meu coração em vários pedaços, mas eu tinha de seguir em frente, por mim e pela minha família, filhas e netos, que agora já eram dois, pois no primeiro ano deste milénio nasceu a minha primeira netinha. 

 

Eu e o Tothy, já secos e confortáveis, ficámos deitados na cama a ouvir a ventania, a namorar aquele vendaval da mãe natureza. As gotas da chuva batiam forte contra o telhado da casa, as janelas tremulavam violentamente, mas nós estávamos bem. Tínhamo-nos ali um ao outro e a nossa casinha dava-nos toda a segurança, alegria e conforto necessários. – Queria tantas pessoas à volta. Tantas pessoas maravilhosas já passaram pela minha vida; sinto saudades dos meus pais, da minha irmã, de amigos e amigas e sinto falta do meu corpo jovem – O Tothy ouvia com atenção, enquanto estava confortavelmente deitado com a cabeça nas minhas pernas. – Sabes, eu vejo-me como se ainda fosse jovem, a minha mente funciona como se eu tivesse vinte e poucos anos, mas o meu corpo já não é o mesmo, já não responde como antes e isso é duro, Tothy – Ele começou a dar lambidelas nos meus pés como a sua forma de demonstrar carinho. As pessoas acham que os animais não nos entendem, mas quem somos nós para afirmar isso, quando sequer entendemos pessoas como a gente. 

 

No início do milénio, as duas primeiras décadas foram bastante curiosas. Foi um período de muita reflexão para mim, sobre a minha vida, as escolhas que fiz e sobre o facto de estar a envelhecer. Alguns poucos anos após a morte da minha irmã, perdi a minha mãezinha, nós, ao longo da vida, tivemos inúmeras desavenças por conta das nossas visões de mundo tão diferentes, mas eu amava-a muito! Era uma mulher forte, elegante e foi ela quem me trouxe ao mundo e por isso serei eternamente grata. 

 

Esse adeus não foi nem um pouco fácil, toda essa situação gerou muita ansiedade em mim que, por natureza, já não era muito serena. Lidar com as nossas escolhas, com os caminhos que a vida às vezes toma, com as perdas de pessoas amadas, com a velhice e a mortalidade não é uma tarefa simples. Mas eu aprendi uma valiosa lição ao longo deste novo milénio, a vida é sempre bela quando temos o coração e a mente abertos para renovação. Eu dediquei-me a mim, adotei o meu maravilhoso Tothy e uni-me ainda mais com a minha família, às minhas filhas e netos, que se tornaram cinco. Saí de São Paulo e mudei-me para a cidade de Ubatuba, onde me encontro neste momento e onde para sempre estarei com o meu coração. Esta foi a melhor decisão que eu poderia tomar. 

 

A tempestade estava feroz, mas com o som das gotas caímos no sono, dormimos feito anjos. Até que o Tothy me acordou como de costume, já era o fim da tarde e a chuva havia passado. – Que foi meu lindão? Sim, a chuva passou – Ele começou a sair do quarto, murmurando como se quisesse que eu o seguisse. – Tothy, lá fora está molhado e não podemos sair para passear agora. Amanhã de manhã faremos isso. Como eu amo a minha família, as minhas filhas, genros e netos e o meu cachorro lindão. Eles são tudo para mim e ver pessoas tão lindas a crescerem e a desenvolverem-se é uma experiência única. Tenho orgulho das filhas que eu criei e da educação que elas passam aos meus netos. Quando digo que são pessoas lindas, não me refiro apenas ao físico, mas também à essência. É uma nova geração num novo mundo, um mundo diferente daquele em que cresci, mas, ainda assim, o meu mundo, pois ajudei a construir. Mas, ainda assim, confesso que sinto falta de pessoas do meu passado, amados que já se foram e que partilharam esta jornada chamada vida comigo. 

 

O Tothy começou a latir para mim, chamando-me e eu não tive escolha, levantei-me e segui-o. – Tá bem! Tá bem! Vamos lá e eu mostro-te que está tudo molhado e que não podemos sair. Chegámos à sala e o meu coração quase parou. Uma janela estava escancarada! O vento foi tão forte que quebrou o fecho e abriu-a. Parte da sala estava encharcada, os meus olhos percorriam cada canto molhado, até que se fixou na maleta velha que havia deixado aberta para arejar, hoje mais cedo. Lá dentro havia fotos, fotos do meu passado, cartas, documentos e não me lembrava quando foi a última vez que mexi de facto no seu conteúdo, se é que um dia já havia feito tal coisa, mas agora estava tudo molhado. Chorei, era difícil aceitar as fotos encharcadas, o meu passado, a minha vida. Antes de entrar em pânico, iniciei o meu trabalho de enxugar todo o conteúdo da maleta. Fotos antigas da família, da minha infância, pastas com cartas e documentos. Peguei uma a uma e fui calmamente secando, até que uma pasta azul clara me chamou à atenção e eis que encontro um tesouro. Por algum motivo, nunca havia reparado e não devia ser aberta a décadas, continha papéis muito antigos, escritos a tinta com uma caligrafia minuciosa, em italiano antigo. Percorrendo os olhos por aquelas palavras encontrei uma data, 1766, eram documentos legítimos do século XVIII. Pertencentes a um distante antepassado meu, que viveu em Nápoles, na Itália. O documento sobreviveu séculos, passou pelas mãos de vários dos meus antepassados, atravessou o Atlântico, pingou de cidade em cidade, sobreviveu aos meus mais de setenta anos e por conta dessa chuva está agora aqui, nas minhas mãos.

 

Isso fez-me refletir, o meu antepassado já não está neste mundo há mais de duzentos anos, mas a sua assinatura, o seu documento continua aqui. O mesmo papel em que ele tocou, olhou e escreveu. – Como a vida é curiosa Tothy. A morte não é o fim, nós continuamos aqui, da mesma maneira que este documento. As nossas falas, os nossos carinhos, o nosso olhar apaixonado permanece ecoando pela eternidade, através dos ombros das próximas gerações, pois deixamos um pouquinho de nós em cada um que cruza o nosso caminho e essas pessoas passam para a frente a nossa essência – O Tothy olhava-me com os olhos a brilharem e com aquela inocência e pureza que só os animais nos conseguem transmitir. – Nós sempre estaremos, dentro de cada um com quem, de alguma forma, cruzamos o caminho. 

Baseado na história real de Renata Chaim Cusano. Obrigado por tudo, vovó. Que a sua luz continue a iluminar as pessoas até ao fim da eternidade. Por Raphael Cipolla de Matos, Neto de Renata. “O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.” Fernando Pesso


[1] Pequena fruta preta de polpa branca que se encontra no Brasil.

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